Inicio esta análise informando que não recomendamos a entrada no IPO da Intercement, código ICBR3. Os principais motivos são:
- Alta probabilidade de estarmos comprando topo de ciclo econômico;
- Baixo potencial de crescimento da companhia apresentado nos últimos anos;
- Oferta apenas secundária, ou seja, apenas venda dos controladores, sem dinheiro entrando em caixa para novos projetos;
- Questões de governança como distribuição de dividendos e redução de capital para “esconder” prejuízos acumulados passados do patrimônio líquido;
- O principal player brasileiro do setor, a LafargeHolcim, está de saída do mercado brasileiro.
Características da Oferta
- Oferta apenas secundária – dinheiro captado vai para os sócios
- Lote inicial: 149.394.665 ações
- Lote adicional e suplementar: de 20% e 15% – total de aproximadamente 195 milhões
- Faixa indicativa de preços: entre R$ 18,20 e R$ 25,50
- Encerramento do período de reserva: 13/07/2021
- Valor mínimo para o investidor de Varejo: R$ 3.000,00
A Intercement Brasil é controlada indiretamente por um grupo internacional chamado Intercement, que possui operações em cinco países: Argentina, Brasil, Egito, África do Sul e Moçambique. Esse grupo possui 33 unidades produtivas e ao redor do mundo tem capacidade produtiva de 37 milhões de toneladas de cimento por ano. O Brasil é o principal player da companhia com capacidade de produção de 17,2 milhões de toneladas por ano, sendo que a companhia é a segunda maior no país, ficando atrás apenas da LafargeHolcim. Veja a imagem a seguir:

A companhia possui 15% de participação de mercado. Recentemente, analisamos a CSN na Dica Beginner (para ver o relatório, clique aqui). Dentro da CSN existe a CSN cimentos, que ocupa o sétimo lugar da lista acima, com capacidade produtiva de 4,7 milhões de toneladas e que possui planos de realizar IPO – essa, sim, com um plano de expansão interessante para alcançar 13 milhões de toneladas e alcançar o terceiro lugar da lista.
A LafargeHolcim, sediada em Zurique, na Suíça, o principal player do setor no Brasil, está iniciando o processo de saída do Brasil e iniciou o processo de venda de suas operações locais. Inclusive, em abril de 2021, contratou o Banco Itaú BBA para ajudá-los a encontrar compradores ideais para os ativos. A CSN Cimentos, por exemplo, já está prestes a comprar a Cimentos Elizabeth, que possui capacidade instalada de 1,2 milhão de toneladas por ano.
A Intercement tinha “a faca e o queijo na mão” para usar o dinheiro captado no IPO para ao menos comprar parte dessa operação. Por que ela não quis se consolidar como maior player brasileiro e os sócios querem vender suas participações?
Ou será que os sócios usarão o dinheiro do IPO e mais o valor dos dividendos que eles irão distribuir com a reserva de lucros que sobrou para iniciar uma nova cimenteira com alguns desses ativos?

O novo comprador da LafargeHolcim poderá ser uma ameaça para a Intercement Brasil? Certamente que sim, e provavelmente a CSN captará grande parte disso, uma vez que sua operação de mineração tem gerado muito caixa.
O que fez a empresa tentar abrir capital neste momento fica muito claro: o crescimento de demanda após a pandemia.
Pessoas passaram a ficar mais tempo em casa e começaram a gastar mais dinheiro com pequenas reformas ou até mesmo construindo casas novas. As construtoras estão vendendo mais imóveis, como já mostram as prévias operacionais do 2T2021 e os resultados do primeiro trimestre. Com isso, a Intercement vendeu mais.
Mas será que esse número continuará aumentando no futuro?
Dados do SNIC – Sindicato Nacional da Indústria do Cimento mostram que o volume de vendas em maio de 2021 alcançou 5,5 milhões de toneladas no Brasil, um número 14% maior que o de maio de 2020. Já o acumulado de 5 meses de janeiro a maio encontra-se em 19,3% – número inferior aos 20,8% do acumulado de janeiro a abril. As vendas de cimento por dia útil em maio tiveram um crescimento de 11,2%. Embora os dados pareçam bons até o momento, é importante lembrar que estão sendo comparados a uma base fraca do ano de 2020. Dados do próprio SNIC apontam para um desempenho no fim do ano cerca de 2% acima de 2020.

Eu quero que vocês prestem muita atenção à imagem acima. A Lafarge está vendendo depois dessa alta de demanda. A Intercement controladora está vendendo após essa alta de demanda. Quem vai comprar será você?
Estes são pontos que nós ensinamos na nossa Mentoria de Análise Fundamen- talista. Ensinamos que você seja crítico com as ofertas. Pense se realmente faz sentido.
Para concluir o case do setor de negócios, cabe mencionar ainda a alta de preços recente que foi impulsionada tanto pela alta da demanda que já citamos como pela alta do dólar, que no início de 2020 estava cotado a R$ 4,03. A própria Intercement coloca uma imagem de 2019 mostrando como o preço do cimento no Brasil tinha um gap para ser fechado em relação a outros países do mundo (veja a imagem a seguir).

Em 2019, o preço brasileiro ainda tinha 80% de potencial de alta frente a média internacional. Acredito que a média de países emergentes seja 15% abaixo dessa apresentada historicamente, logo, podemos imaginar que o potencial existente em 2019 era de crescimento de 42% nos preços em dólar. Incluindo a desvalorização do real em 25%, chegaremos a 78% de aumento em reais.
Observando os dados do IBGE, vemos que o preço do cimento no Brasil como um todo teve um crescimento grande sendo que em regiões metropolitanas esse crescimento foi ainda maior.



É interessante notar que nos últimos meses a alta do preço do cimento já cessou, ao menos no indicador oficial.
Como podemos ver, em relação ao setor, a empresa tem uma grande oportu- nidade de aumentar sua produção, mas está deixando para os outros players, além disso, a alta recente de preços deve ter aumentado os resultados de 2020, mas não se perpetuará.
Na imagem abaixo vemos o crescimento da companhia ao longo dos últimos anos em termos de vendas.

Veja que a companhia ainda se encontra muito abaixo do período de 2013 e 2014. E claro que, se a companhia voltar àqueles patamares, veremos uma alta expressiva da ação, uma vez que a companhia possui hoje uma capacidade produtiva de 17,2 milhões de toneladas e utiliza apenas 9 milhões. Seria uma ótima amostra de alavancagem operacional.
No entanto, quando avaliamos os dados da SNIC, vemos como é difícil pensar nesse crescimento atualmente. A estagnação anterior ocorrida a partir da década de 80, ao fim do milagre econômico, só se encerrou com o início do plano real em 1995. Os ciclos do cimento são longos.

Em 2013, o consumo brasileiro girava em torno de 71 milhões de toneladas de cimento. Em 2019, o consumo ainda era de 54,8 milhões de toneladas, e deve ter subido bastante em 2020 e 2021. Vimos que em maio foram 5,5 milhões de toneladas, o que anualizado seriam 66 milhões no total. Acredito que, no gráfico acima, estamos no ano de 1986, quando o consumo ficou estabilizado por mais 10 anos antes de subir. E assim deve ficar a companhia.
O que atrapalha muito o case de cimento é a redução de obras de infraestrutura feitas pelo Governo Federal, ao longo dos últimos 20 anos, que consomem muito cimento.
Apenas para terminar, a companhia possui no Brasil 15 unidades produtivas de cimento divididas em três marcas.
- A marca Zebu é produzida e vendida para o Norte e Nordeste em três unidades produtivas e nos tamanhos de 40kg e 50 kg. A companhia diz que este cimento possui robustez e se adapta bem ao clima quente do Norte do país.
- A marca Goiás é produzida na Unidade Produtiva de Cezarina e é distribuída na Região Centro-Oeste do Brasil.
- Já a marca Cauê, a principal do Grupo, produzida em 11 unidades produtivas, é distribuída no Sul e Sudeste do país em embalagens de 25 kg, 40 kg, 42,5 kg e 50 kg. Marca existente desde a década de 50. As fábricas do Sudeste ficam apenas em São Paulo e Minas Gerais.
Hoje as vendas são bem divididas, sendo vendido 28% diretamente para consumidores finais ou para lojas de materiais de construção. 39% são vendidos para distribuidores e 33% são vendidos diretamente para indústrias, concreteiras ou construtoras.
Com relação à governança, cabe mencionar a venda de participação sem captação para novos projetos, a distribuição de dividendos para sócios, mesmo sabendo que a companhia possui uma dívida bastante superior ao patrimônio líquido, como mostra a imagem abaixo.

E, por fim, cabe mencionar que a empresa carregava em suas contas de patrimônio líquido muitos prejuízos acumulados que foram absorvidos a partir da redução do capital social realizada em evento subsequente no dia 22/06/2021. Ou seja, vai aparecer apenas após o resultado do 2T2021.
Conforme Prospecto de emissão de ações da Intercement:
“Reservas de Incentivos Fiscais. Aprovou-se a utilização das reservas de incentivos fiscais para absorção de prejuízos acumulados em R$ 117.620.991,81 (cento e dezessete milhões, seiscentos e vinte mil, novecentos e noventa e um reais e oitenta e um centavos).”
“Redução de Capital. Aprovou-se a redução do capital social da Companhia, em R$2.228.216.555,06 (dois bilhões, duzentos e vinte e oito milhões, duzentos e dezesseis mil, quinhentos e cinquenta e cinco reais e seis centavos), para absorção dos prejuízos acumulados, registrados nas demonstrações financeiras de 31 de dezembro de 2020. Com isso, o valor do capital social passa de R$2.865.527.937,84 (dois bilhões, oitocentos e sessenta e cinco milhões, quinhentos e vinte e sete mil, novecentos e trinta e sete reais e oitenta e quatro centavos), para R$637.311.382,78 (seiscentos e trinta e sete milhões, trezentos e onze mil, trezentos e oitenta e dois reais e setenta e oito centavos) dividido em 2.469.585.273 (dois bilhões, quatrocentos e sessenta e nove milhões, quinhentas e oitenta e cinco mil, duzentas e setenta e três) ações ordinárias.”
Como vocês já viram eu não gostei nem do setor, nem da governança, nem dos projetos e, para finalizar, a companhia não gerou lucros nem mesmo em 2020 com a alta de preços. Apresentou um lucro líquido agora no 1T2021 de R$ 97 milhões atribuível aos sócios da controladora.
Acho muito complicado em um negócio cíclico como esse pagarmos R$ 9 bilhões de valor de mercado por uma empresa sem projetos de crescimento que apresentou apenas um trimestre de lucros e que mesmo anualizando esse valor ainda seria um preço/lucro de 25x.
Minha recomendação é de não entrar no IPO. Prefiro até mesmo comprar a empresa mais caro posteriormente caso ela mostre resultados consistentes.
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O analista responsável pela elaboração deste relatório declara, nos termos da Resolução 20/2021, que substituiu a Instrução CVM nº 598/18, que as recomendações do relatório de análise refletem única e exclusivamente a sua opinião pessoal e foram elaboradas de forma independente.
O analista Daniel Isaac Nigri CNPI é o responsável principal pelo conteúdo do relatório e pelo cumprimento da Resolução 20/2021, que substituiu a Instrução ICVM 598.
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Só uma observação, o maior player brasileiro não é a LafargeHolcim e sim Votorantim