Nesse artigo, o nosso colaborador Juliano Fernandes, busca unir seus conhecimentos como médico e investidor, para nos passar a sua opinião atual sobre o momento atual da doença no Brasil e no mundo, bem como as oportunidades financeiras que podem estar surgindo. Boa leitura!

“We have nothing to fear but fear itself” Franklin D Roosevelt, 1933

Chegamos em julho após mais de quatro meses de pandemia e este período foi extremamente rico para quem soube aproveitar esta catástrofe da natureza para aprender e se reposicionar dadas às significativas mudanças que vivemos. Se você tem acompanhado as noticias da pandemia pelos jornais e televisão, sinto lhe informar que isto provavelmente lhe causou uma série de prejuízos emocionais e até financeiros. Entender a pandemia através destas noticias seria o equivalente a decidir seus investimentos pelo que sai na capa de revistas semanais, sempre atrasadas mais de 6 meses e com uma visão extremamente superficial de empresas ou momentos econômicos. Para tentar destrinchar um pouco o assunto, trago abaixo alguns tópicos que considero de fundamental importância o entendimento, com o objetivo de focarmos de forma prática na previsão de alguns cenários que são afetados pelos fatos aprendidos.

1. Tempo da pandemia e os famosos picos

O pico de óbitos no país ocorreu na primeira quinzena de maio e desde então seguimos com uma redução de óbitos diários (fonte: www.mortalidade.com.br). Medido pelo excesso de óbitos na comparação com 2019, dia 23/06/2020 marcou a primeira vez que este excesso foi negativo desde fevereiro (Figura 1), indicando que a partir de agora a chance de termos óbitos em excesso em 2020 ficou bem para trás. E se, obviamente, ainda seguiremos com óbitos pelo vírus, estes vão entrar em níveis endêmicos, já se misturando aos demais fatores de risco para a população mais vulnerável de idosos, sem sobrecarga do sistema hospitalar. O excesso de óbitos é um dos marcadores mais importantes numa pandemia pois mede seu impacto mais global, não apenas dos óbitos atribuídos ao vírus propriamente dito, excluindo qualquer efeito de erros de notificações (https://ourworldindata.org/excess-mortality-covid).

Figura 1

Implicação prática: ficar esperando que a pandemia vai ainda piorar só posterga decisões e a volta ao normal. Quando sair na mídia, o mundo já vai ter voltado em ritmo acelerado bem antes do que o cenário será desenhado.

2. Segunda onda, imunidade e lockdowns intermitentes: a importância de casos assintomáticos vs óbitos

Este talvez seja um dos grandes medos da população de, ao voltar à vida normal, que tenhamos outras ondas de infecções em massa. A experiencia de pandemias anteriores nos mostra que isso é um temor muito menor do que as expectativas. Se em países que se fecharam bastante precocemente e não tiveram sua população exposta ao vírus (como Australia, por exemplo), este medo é sem duvida algo importante pois praticamente não houve criação de nenhum tipo de imunidade na população. A solução, neste caso, é o fechamento longo de fronteiras com controle de infectados que entram no país e nos casos internos. No caso dos países europeus, EUA, Brasil e demais países onde este controle é muito mais difícil na prática, a solução é inevitavelmente que uma proporção significativa da população se torne imune. Esta imunidade de rebanho não significa 70% da população contaminada como previsto inicialmente, mas sim algo em torno de 7-20% com estamos vendo em diversos países onde retornos quase plenos ocorreram e não há novos surtos. Esta ausência de aumentos também pode estar associada a cuidados maiores no retorno, que promovem distanciamento e isolamento sem necessidade de fechamento total de atividades comerciais, por exemplo.

Neste aspecto é muito importante também se lembrar que novos casos aumentando não necessariamente significam uma segunda onda. Casos novos podem vir de casos agudos com testes de PCR ou casos crônicos, onde o diagnostico é feito através de medidas de anticorpos. Neste segundo caso, o que ocorre é apenas uma documentação da doença sem necessariamente haver qualquer consequencia maior para o paciente ou o sistema de saúde. O que ocorre agora em julho nos EUA, por exemplo, lembra um pouco isso com um aumento de casos novos mas, ao contrario, uma contínua redução do numero de óbitos diários – Figura 2 – Fonte: https://www.nytimes.com/interactive/2020/us/coronavirus-us-cases.html

Figura 2

Além desde aspecto, sempre que lerem sobre aumento de casos novos, temos de saber também quantos testes estão sendo feitos, já que o aumento também pode decorrer apenas de mais pessoas sendo testadas, reduzindo, proporcionalmente, o índice de positividade dos testes.

Dito tudo isso, temos ainda um complicador maior que é o fato de muitos indivíduos que tiveram contato com o vírus e desenvolveram imunidade podem não gerar anticorpos contra o mesmo apesar de não estarem susceptíveis a nova contaminação, algo que ocorre em 12% de sintomáticos e 40% de assintomáticos. Isso faz com que nunca saberemos ao certo quantas pessoas efetivamente tiveram infecções e, por consequência, estão imunizadas. Estimativas de 10x o número oficial podem estar ainda até baixas, mas representam a ordem de grandeza estimada. As vacinas (mais de 100 estão em desenvolvimento) serão um fator de proteção adicional mas deverão vir apenas no segundo semestre e já quando estivermos em nível de endemia e não epidemia, o que terá impacto pratico relativamente pequeno no curto prazo, mas será importante para dar segurança no longo prazo e maior previsibilidade de não retorno da doença.

Implicação prática: as reaberturas vão ocorrer e as chances de segunda onda intensa e novos fechamentos é bastante baixa no país, dado que tivemos um isolamento muito pouco efetivo na prática e o número de imunes é bastante elevado presumivelmente. Além disso, vários exemplos de países com padrões similares de contenção da epidemia que já reabriram seguiram um padrão sem novos impactos significativos de internações e óbitos, a despeito de aumento pequeno de casos novos.

3. Novo normal mais parecido com o velho normal mesmo

Naqueles países onde os governos agiram de forma menos draconiana, vemos que o chamado novo normal é muito parecido com normal usual, acrescido de algumas medidas de distanciamento que, aos poucos, vão perder sua força ao sair do discurso politicamente correto. Aqui mesmo no Brasil vemos que, onde não houve intervenção governamental e efeitos de segunda e terceira ordem não previstos, os hábitos de consumo rapidamente voltaram ao padrão inicial, sendo que apenas em serviços e turismo as quedas mantiveram-se em > 60% mesmo nos meses de junho/julho (Figura 3 – fonte: https://www.cielo.com.br/boletim-cielo-varejo/). Ao mesmo tempo, tão logo as aberturas ocorreram, o retorno ao varejo tradicional e comércio presencial se mostrou relativamente rápido. Ainda que o consumo de restaurantes e viagens não tenha sentido o mesmo impacto, acredito que uma vez passado o excesso midiático estes também vão resultar num retorno aos níveis usuais, visto que o risco real pós pandemia tende a ficar zerado. A ocorrência de aceleração de tendências que vimos com a pandemia (EAD, home-offices, automatização de tarefas, aumento do e-commerce, etc) vão continuar apenas se estas realmente tenham agregado ao trabalho/lazer o fator de produtividade e facilidade mas não se manterão apenas pela questão de saúde uma vez o risco viral tendo saído da mídia.

Implicação prática: hábitos arraigados culturalmente voltarão ao padrão usual de encontros em restaurantes, passeios aos shoppings, compras presenciais, nosso tradicional costume de beijos e abraços. Pandemias são cíclicas e não perenes. Apenas mudanças que efetivamente tenham se provado adicionais do ponto de vista de eficiência se manterão.

4. Pandemia no Brasil vs resto do mundo e seus impactos econômicos

Aqui faço um link um pouco mais direto com algumas oportunidades que a pandemia deu ao Brasil do ponto de vista econômico. Apesar do agravamento pontual, acredito que a pandemia é sim uma entidade limitada nela mesma, cujos impactos na saúde se eliminam com o controle agudo realizado em maio e junho. Não tivemos no país grandes diferenças do ponto de vista de mortalidade se comparados aos países de maior população mundial. Dito isso, se o país conseguir limitar gastos em excesso ao ano atual e usar este fato para impulsionar as reformas programadas desde o ano passado, o Brasil tem grande chance de se sair muito melhor que os demais países na fase pós-covid. Várias empresas mundiais já entenderam que as suas cadeias de produção devem ser diversificadas e isso inclui retirada de concentração da China. Um Brasil competitivo, com fiscal ao menos tendo sido endereçado, seria um alento muito grande para trazer esta produção mundial para o país. Logicamente somos campeões em perder oportunidades e isso é uma variável muito longe de ser controlável mas, novamente, temos uma grande chance colocada à nossa frente. Junto com isso, as próprias industrias nacionais também estão vendo oportunidades de nacionalização de partes de produção dependentes de importação, reforçando esta tendência.

O momento econômico nacional no inicio de 2020 de retomada de ciclo econômico versus final de ciclo europeu/americano volta também ao cenário do segundo semestre, tendo nossos ativos muito menos apreciados que os estrangeiros, ainda mais se convertidos em USD. Considerando o fato que estamos com gap de investimento estrangeiro de > USD130 bi da média histórica em mercados emergentes (fonte: carta Brasil Capital, 2T-2020), somos um dos países mais underweight em termos de investimento mundial no momento. Ciclo econômico positivo, fiscal bem direcionado, índice acionário em seus lows em USD, sem chance de segunda onda: tudo soa como música para termos a partir do final de 2020/2021 uma retomada muito acelerada de crescimento. Para colocar a cereja no bolo, a enxurrada de criação de dinheiro realizada mundialmente tem poucos locais efetivos de ganhos, com boa parte de bonds com yield negativo e mercados internacionais já sobrevalorizados. O excesso de liquidez tradicionalmente migrará para inflação de ativos em bolsa ou, como também ocorreu em outros ciclos, para uma inflação de commodities. Este ultimo fator certamente também é altamente positivo para o país, sobretudo se lembrarmos que estamos também num dos pontos mais baixos na comparação entre valores de commodities/DJIA (Figura 4 – fonte: Goehring & Rozencwajg Natural Resource Investors). Se a inflação de ativos se der nestes dois mercados de ações emergentes e commodities, ambos darão um fluxo adicional de recursos ao capital nacional.

Em conclusão, a impressão é que chegamos à parte final da pandemia no país com uma perspectiva muito positiva, com a situação, se não ideal, já caminhando para uma fase de muito mais controle onde as reaberturas se darão de forma cada vez mais acelerada. Não se deixem paralisar pelo medo que ainda será usado para motivar um pânico muito mais ficcional que real. O Brasil recebe a partir de agora uma oportunidade única. Que saibamos aproveita-la e fazer a coisa certa. Cabe a cada um de nós cobrar os governantes para que estes estejam à altura deste rico país e não nos façam, mais uma vez, perder esta grande oportunidade. Se o Estado paquidérmico sair da frente, o Brasil real das ruas está pronto novamente para voar alto.

Juliano de Lara Fernandes (Twitter: @Juliano87531872)

Médico Cardiologista, formado na Universidade Estadual de Campinas, com doutorado pela FMUSP e MBA em Gestão de Sistemas de Saúde pela FGV. Investe no mercado financeiro desde os 16 anos de idade.

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