Vamos começar este post com uma notícia animadora. Durante o call sobre os números do fechamento de 2021 a empresa informou que as vendas do início de 2022 foram “claramente melhores que 4T21”. Vestuário é o grande destaque. O ano começa positivamente para a C&A.
C&A publicou em 10-Mar seus resultados de 2021. Ainda em Nov-2021 da empresa deu o seu “grito de independência” ao (re)comprar do Bradesco o direito de operar sozinha crediário e serviços financeiros aos seus clientes. O preço foi R$ 415 milhoes. Muitos analistas celebraram este “move” pois entendem que gerará muito valor para a empresa.
Desde 2019 a C&A vem passando por uma série de mudanças estruturais, investimentos e aberturas de novas linhas de negócios. De um passado acomodado, sem muita ambição, com vendas e margens em queda, a empresa passou a tomar medidas concretas para crescer, ser mais rentável e se digitalizar. Vamos ver como está esta caminhada.
Um pouco de “background” sobre a C&A
O negócio da C&A envolve a criação, distribuição e venda de vestuário através de lojas físicas e de sua plataforma on-line. Também comercializa produtos eletrônicos, como smartphones, tablets, relógios e acessórios, chamados de fashiontronics. Além disso, atua na categoria de beleza através de cosméticos e perfumaria.
No seu IPO em Out-2019, a companhia levantou R$ 814 milhões majoritariamente utilizado para pagamento de dívidas. Pouco sobrou para investimentos. Ela é listada no segmento Novo Mercado (mais alto nível de proteção aos minoritários) e tem uma liquidez média diária de R$ 15 milhões, um volume suficiente para a grande maioria de investidores pessoa física. O volume de free-float é de 35% do total de ações emitidas.
O Ano de 2021
As receitas em 2021 tiveram bom crescimento mas ainda não superaram as pre-pandemia
A C&A fechou o ano com 319 lojas, das quais 26 foram abertas em 2021.
Suas Receitas Líquidas Totais de R$ 5,1 bilhões , foram 26% superiores às de 2020, mas ainda estão abaixo às do período pre-pandemia. A C&A adotava de um modelo de negócios com grande dependência das vendas físicas e lojas majoritariamente em shoppings. Ela estava muito exposta às restrições devido à pandemia.
O novo ciclo de investimentos, ainda com um bom caminho pela frente, busca torna-la mais digital, mais eficiente e mais conectada com seus clientes.

Vestuário é o carro chefe representando 76% das Receitas. O crescimento geral das receitas foi de 35% e as Vendas nas Mesmas Lojas subiram 33%.
Já Fasiontronics encolheu 5,6% no ano, mas há nesta categoria um potencial de geração de valor bastante interessante. O encolhimento se deveu à forte competição e problemas de suprimentos em celulares e smartphones. Estes, atualmente, respondem por cerca de 80% das vendas da categoria.
Os demais 20% são Beleza e Relógios. As margens de “Beleza” e as perspectivas de crescimento são muito grandes, segundo a C&A. Os produtos beleza foram introduzidos pela companhia apenas no final de 2019. Ao final de 2021 Beleza estava presente em 201 lojas além do canal on-line. Esta categoria é uma das prioridades na estratégia da companhia.
Digitalização segue firme com integração de várias tecnologias e omnicanalidade
- GMV* on line atingiu R$ 256 milhões (+ 25%) no 4T21 e R$ 901 milhões no ano de 2021. A receita da Operação on-line (Marketplace incluído) vem crescendo bem, mas ainda é pequena frente ao volume das receitas de vendas físicas

- As Vendas por WhatsApp representaram mais de 50% das vendas on line
- O programa de relacionamento C&A&VC fechou o ano com 19,7 milhões de clientes.
- A base ativa de clientes do e-commerce cresceu 14% em 2021. Clientes multicanais cresceram mais de 60%
- Aplicativo C&A: mais de 3,9 MM de usuários ativos mensais, crescimento de 13,4% . No 4T21 foram 5,1 milhões de instalações do aplicativo
Serviços Financeiros crescendo, agora potencializados pela compra da operação do Bradesco
Em 2021 receita chegou R$ 175,0 milhões, um aumento de 17,2% em função de uma base comparativa muito baixa impactada pelo auge da pandemia.
No 4T21 a receita de foi de apenas R$ 25,2 milhões o que comparado com 4T20 representa uma redução foi de 49%, principalmente devido à maior provisão com perdas decorrente da piora do cenário macroeconômico. Isso aponta para um aumento no risco de crédito no final de 2021. Veja a tabela abaixo:

O EBITDA Ajustado passou para positivo em 2021
Foram R$ 54 milhõesapós um 2020 bem complicado quando a empresa foi duramente atingida pelo lockdown tendo contabilizado um EBITDA de R$ 59 milhões negativo.

O Lucro Líquido contábil de R$ 329 milhões seria prejuízo se descontados os ganhos fiscais não recorrentes
Numa conta simplificada, o LL seria de apenas R$ 1milhão se desconsiderados os ganhos tributários (não recorrentes) decorrentes de ações fiscais relacionadas a IRPJ, CSLL, e exclusão da base de ICMS para o cálculo de PIS e COFINS. No Release temos “Excluindo o efeito dos ganhos tributários não realizados no ano de 2021, a C&A apresentaria prejuízo líquido”. Porém o cálculo completo do LL “recorrente” não foi disponibilizado.

O ano de 2021 foi de mudança com grandes investimentos em novas lojas, digitalização, automação e modernização logística
Ate 2019 os investimentos eram decrescentes. Muito foco no corte de custos, nem sempre da maneira mais inteligente, prejudicando o crescimento e a melhoria de eficiência. A postura agora é mais ousada, com investimentos em novos mercados, novas tecnologias e novos processos que irão produzir resultados no médio e longo prazo. Até que os investimentos maturem as margens continuarão pressionadas. De acordo com o “webcall” isso faz parte do planejado.
Investimentos maiores já feitos e agora o nível de Capex começa se reduzir
Novas Lojas foram abertas com R$ 179 milhões de CAPEX (+186% x 2020); Tecnologia e Digitalização receberam aportes de R$ 260 milhões (+151% x 2020) e Cadeia de Suprimentos levaram mais R$ 145 milhões (+ 221% x 2020). No total foram R$ 682 milhões de CAPEX em 2021 versus R$ 303 em 2020.

Das 319 lojas pelo Brasil, 273 (85%) já estão em operação há mais de 4 anos. Todas integradas ao conceito de ominicanalidade (ship from store, corredor infinito, clique e retire, vendas por whatsapp) além, claro, operando vendas físicas como também servindo de hubs locais para o e-commerce da empresa.
Endividamento, Alavancagem e Liquidez

A Dívida Liquida é de R$ 317 milhões em Dez-2021. O EBITDA ajustado com Despesas de Arrendamento Mercantil (majoritariamente aluguéis) é de R$ 249 milhões, uma alavancagem de 1,3x. Bastante confortável. Se incluirmos operação com o Bradesco no cálculo, a Dívida Líquida sobe para R$ 732 milhões, uma alavancagem de 2,9x, aceitável mas já em níveis menos confortáveis ainda mais considerando o custo financeiro (agora com juros base em 12% aa) do carregamento de uma divida nesse patamar.
Recompra do Bradesco dos direitos de oferecer serviços financeiros aos clientes
Este é um ponto de inflexão importantíssimo da trajetória da C&A, cujas consequências serão marcantes.
A C&A decidiu comprar do Bradesco (com quem tinha uma parceria em cartões desde 2008) o direito de explorar sozinha os produtos de credito e financeiros a seus clientes. Os critérios de concessão de crédito pelo Bradesco reduziam a competitividade da sua operação.
Comparando a penetração de cartões nas vendas dos principais varejistas de moda em 2019 (último ano com fluxo em loja normalizado) a concorrência da C&A reportava uma penetração média de 43% ao passo que a da C&A era de 21%.
A empresa enxergou aí uma oportunidade de alavancar vendas através da concessão de crédito.
A taxa de aprovação do bandeirado era por volta 18%. A C&A usando a base do pré-aprovado (por volta de 2,5 milhões de clientes ativos) quer dobrar esta taxa e aumentar a penetração nessa base.
Em Nov-2021, a compra foi fechada pelo preço de R$ 415 milhões, a serem liquidados em Jan-2023, corrigidos a 112,5% do CDI (hoje equivalente a aproximadamente 13,4% aa).
Esta compra foi registrada como Ativo Intangível e como contrapartida teve um lançamento em Fornecedores no Passivo de LP. Não está claro se para o pagamento dos R$ 415 milhões em Jan próximo a empresa utilizará parte do seu Caixa (R$ 1 bi em Dez) ou tomará financiamento. De todo modo é um montante expressivo para C&A e impactará a sua alavancagem financeira. Em Dez a sua dívida liquida era de R$ 317 milhões. Incluindo os R$ 415 milhões (sem contar os juros até lá) a pagar ao Bradesco a Dívida Liquida passa para R$ 732 milhões.
A partir de Dez-2021 a C&A passou a oferecer os serviços de credito e assumir os riscos da nova carteira sozinha.
C&A Pay (100% digital)
Em Dez-2021 a empresa lançou o serviço digital C&A Pay que será ofertado em paralelo com o Cartão C&A. A base dos cartões C&A, na data de corte, está mantida e haverá um período de transição de 24 meses no qual as 2 empresas compartilharão os resultados da carteira legada. Com o tempo haverá migração dos clientes do Cartão C&A para o C&A Pay. Com este novo produto a empresa fomentará programas de fidelidade e aumentará a eficácia do seu marketing pois disporá de mais informações dos clientes.
Segundo a C&A as análises internas mostram que em Dez, Jan e Fev houve o dobro de aprovações em relação ao Bradesco. A conversão é maior (a venda é mais assertiva), o ticket médio novo é superior e a recorrência é muito maior.
A grande vantagem do C&A Pay será a integração — desde o momento inicial — com o programa de relacionamento C&A&VC. Ao aderir ao “cartão” C&A Pay, o cliente poderá ter acesso integral aos benefícios deste programa.
Logística
Em relação a cadeia de suprimentos, a C&A deixou o modelo de cross docking e passou a implementar o modelo Push Pull diminuindo o tempo de entrega e aumentando a precisão nos estoques. O sistema se integra com o RFID em 200 lojas, representando 80% das vendas, que permitirá uma leitura mais rápida, planejamento de demanda e maior eficiência no processo de loja.
Na frente “on-line” esta automação reduz a falhas no processamento de pedidos em até 80%, aumentando fortemente o volume de entregas no mesmo dia. O fim da exclusividade de entregas pelos Correios aumentou em 5.p.p. para entregas em até dois dias e, com tempo médio de entrega (dias) 45% menor.
Highlights do webcall sobre 2021 e atualizações sobre 2022
Forte investimento em Supply: Visa servir o cliente e ganhar eficiência: menos stockout (falta de produto quando surge a demanda) e também recompor as margens que ainda não retornaram aos níveis pre-pandemia.
Problemas na cadeia de suprimentos e efeitos da guerra na Ucrania: A guerra ainda não afetou os suprimentos mesmo porque a C&A já tinha pedidos formalizados com 6 meses de antecedência. Entregas e preços estão sendo cumpridos. Cerca de 20% das vendas são de produtos importados, bem concentradas no 1º semestre.
Competição novos entrantes em novos formatos no mercado online já se faz notar (ex: Shoppee) mas o mercado é 85% formado por vendas físicas, além de ser muito fragmentado.
PPD no C&A Pay foi alta no 4T21 como será em 2022. 400 mil contas abertas em 26 dias de operações. Já chegou a mais de 700 mil em Mar-22. O PDD ainda é pequena, mas estão muito confiantes na governança do processo de concessão de crédito. Além disso há o legado da transição com o Bradesco.
Fashiontronics: Veem com muito otimismo a categoria Beleza. Hoje é muito pequena mas será uma categoria muito relevante na C&A e vai trazer mais margens o business de fashiontronics.
Alugueis: as discussões com os proprietários continuam muito ativas, há pouco IGPM e estão mais vinculados a inflações de curto prazo.
Mão de obra: os acordos nos dissídios estão espalhados pelo país e pelos meses, de modo que o impacto é diluído no tempo. Na administração central já ocorreu.
A inflação ocultou os avanços e progressos da empresa no gerenciamento de custos. Com o tempo os ganhos serão mais evidentes.
Push-Pull : 20% das categorias endereçáveis já estão sendo compradas e distribuídas pos este sistema que tem potencial de aumentar em 10% as vendas.
RFIB: Tags e infraestrutura nos fornecedores terminando a implementação. Na C&A serão 200 lojas com implementação completa. Disponibilidade do estoque, podendo diminuir o estoque de segurança. Isso aumenta em até 7% as vendas
Conclusão:
A C&A está “se mexendo” investindo pesadamente e se modernizando para crescer, ficar mais eficiente e mais digital. A execução parece estar andando bem porem os resultados ainda não apareceram. Há uma boa chance de isso dar certo. Por outro lado, a compra da operação de Serviços Financeiros do Bradesco será uma prova de fogo para a empresa. Ela tem uma dívida considerável para honrar em menos de 12 meses. Além disso as condições macroeconômicas, atuais e futuras, apontam para um cenário de risco de crédito muito desafiador. Resta saber se a C&A conseguirá gerenciar este risco de modo prudente sem prejudicar as suas metas de crescimento de vendas. Lembrando que o credito concedido hoje (e que impulsiona a venda) só mostra se foi correto ou não, muitos meses à frente. Será um belo desafio.
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NÃO SE TRATA DE RECOMENDAÇÃO DE COMPRA OU VENDA
Sobre o Autor: Claudio R. Cusin é Engenheiro Mecânico formado pela Poli (USP) e Economista formado pela FEA (USP). É atualmente consultor de finanças tendo trabalhado no mercado financeiro por 30 anos. Foi Diretor de Credito e de Risco em vários bancos de investimento e comerciais. Email: [email protected]